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Jesus de Nazaré (1977)

Jesus de Nazaré tem como premissa ser acessível e popular, ao mesmo tempo não cai na superficialidade de outras obras sobre Jesus.


Jesus de Nazaré é originalmente uma minissérie lançada em 1977, mas tarde sendo lançada como filme com todas as suas partes, que juntas somas 5 horas de duração. A história do filme tem início três anos antes, quando o filme Moisés: o Legislador (1974) foi lançado. O produtor do filme, Lew Grade, foi recebido pelo então papa Paulo VI, que o parabenizou pela obra e disse esperar que seu próximo projeto fosse sobre a vida de Jesus. Ele aceitou a “missão” e convidou Franco Zeffirelli para a direção. A princípio Zeffirelli negou, mas logo aceitou a função. O diretor escolhido já possuía certa admiração do público graças aos filmes A Megera Domada (1967), Romeu e Julieta (1968) e Irmão Sol, Irmã Lua (1973). Formado em arquitetura em Florença, mudou-se para Roma, onde trabalhou com diretores renomados do neorrealismo, tais como de Sica, Rossellini e Visconti.

Zeffirelli desejava realizar uma obra coerente com a crença de todas as pessoas, cristãs e não-cristãs. Por isso, para garantir a precisão do filme, Zeffirelli convidou diversos especialistas católicos e judaicos, além de historiadores. Tudo isso é notável em como, por exemplo, os ambientes e objetos foram retratados, assim como os rituais judaicos. Jean-Pierre Isbouts, renomado pesquisador da vida histórica de Jesus, no documentário de 2006 Jean-Pierre Isbouts: On The Historical Life of Jesus, destaca alguns acertos históricos do filme: além da arquitetura, destaca os jarros de água de pedra, pois os judeus acreditavam que a água, estando mantida na pedra, se conservaria pura, enquanto em outros recipientes não; o autor destaca também a cena da Paixão em que Jesus carrega apenas a parte horizontal da cruz, afirmando que a madeira era escassa na Judeia, e que bastante provavelmente os condenados carregariam apenas essa parte.

Embora Isbouts elogia inúmeros pontos do filme, mas não deixa de criticar outros. O autor aponta como erro a cena em que Jesus entra com um cordeiro no templo para sacrifício, pois Jesus era oposto a tais sacrifícios. Embora critique essa cena, entende o valor narrativo dela, pois Jesus entraria ali como o cordeiro de Deus. Isbouts também levanta a questão de Maria Magdalena ter sido associada à prostituta salva do apedrejamento, tendo Magdalena sido uma partidária de Jesus, filha de família rica e que ajudou até a custear Jesus e seus apóstolos. Tal erro foi cometido em diversas biografias de Jesus ao longo dos anos, inclusive no recente A Paixão de Cristo, de Mel Gibson. Outro destaque negativo destacado por ele é a cruz, durante a Paixão, ter sido encaixada em uma espécie de rede de madeira.

O Jesus foi interpretado por Robert Powell, ator de características norte-europeias, com a justificativa de representar Jesus da forma que os americanos o reconheciam. Tal representação é oriunda de pinturas renascentistas, das quais não falaremos pelo motivo de não ter relevância para nosso trabalho. De qualquer forma, Power representa Jesus de forma bastante interessante, principalmente no tocante ao seu olhar. No capítulo anterior falamos sobre a importância dos olhos de Jesus nos Evangelhos, e Power é bastante atento a isso, inclusive no fato de Jesus piscar pouco no filme, para reforçar a ideia do olhar penetrante dele. Em diversos momentos a fotografia realiza closes e supercloses para destacar os olhos de Jesus, que estão sempre em lugar de destaque durante a sua Paixão e pregações.

O Jesus de Jesus de Nazaré é um modelo exemplar de um Jesus que é igualmente humano e divino. Poucas vezes o personagem foi representado tão bem nesse quesito. Claro que há mérito para Powell, mas tal escolha não é característica apenas da atuação, fazendo parte da mise-en-scène escolhida por Zeffirelli. Tal escolha estilística é evidenciada quando o filme: oculta completamente o personagem de Satanás, como a passagem das tentações no deserto, que foi completamente cortada; elimina a voz de Deus durante o batismo de Jesus, tendo João Batista proferido as palavras que originalmente vieram de Deus; os anjos anunciadores, tanto à Maria, na anunciação, quanto a Maria Magdalena, após a ressurreição de Jesus, foram eliminados, dando lugar a um feixe de luz no quarto de Maria e a constatação lógica de Magdalena.

Citando novamente Isbouts, em sua entrevista Jean-Pierre Isbouts: On The Historical Life of Jesus, Zeffirelli acerta ao retratar os fariseus como amigos de Jesus, mas erra ao retratar Pilatos como praticamente inocente. Segundo a sua visão, os questionamentos dos fariseus em torno das revelações e ensinamentos de Jesus fazem parte da doutrina rabínica judaica, pois as sinagogas são lugares para o diálogo sobre a lei judaica. Para o estudioso, se os fariseus compartilhavam o tempo com Jesus, dialogando com ele, é pelo motivo de o respeitar como, no mínimo, um sábio. Aponta ainda o motivo de os fariseus serem pintados nos evangelhos como antagonistas de Jesus: é o fato de representarem o judaísmo rabínico, que durante a ascensão do cristianismo se mostrava em igual crescimento, sendo uma ameaça à religião cristã. Do mesmo modo, atribui a Pilatos a maior culpa pela crucificação de Jesus, pois era um governante sanguinário com pouca estima pelos judeus, caracterizado como alguém que silencia qualquer vestígio de agitação. Zenffirelli, segundo Isbouts, erra na representação de Pilatos.

Tendo em vista o momento de realização dos evangelhos, é coerente esses levantamentos, pois tendo sido redigidos em Roma para os romanos, não seria inteligente apontar um representante romano como o maior culpado pela morte do maior personagem da religião que os seguidores de Jesus queria implantar.

O filme foi baseado nos quatro evangelhos, mesclando as suas narrativas, sendo uma espécie de Diatessaron (texto de Tatiano que unificou os evangelhos harmonicamente). Tendo o filme essa premissa, foi necessário certo naturalismo ao contar a história. Por isso, inúmeras cenas que não estão nos evangelhos foram criadas para preencher as lacunas da narrativa. Podemos dizer que o filme possui um caráter didático e evangelizador por ter sido narrado dessa forma, facilitando a recepção dos evangelhos. Não é por acaso que essa obra é talvez a maior referência bíblica já realizada no cinema. Através do longa de Zeffirelli, foi possível que analfabetos e pessoas sem fé tivessem acesso às palavras contidas nos evangelhos. Jesus de Nazaré tem como premissa ser acessível e popular, ao mesmo tempo não cai na superficialidade de outras obras sobre Jesus.

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